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terça-feira, 3 de maio de 2011

Do baú. Bizóie.



                   
                               Ele era um lago de lençóis transparentes, frescos e seguros. Era seguro por não tremer em ondas bravias como o mar. Era profundo, mas tinha suas partes rasas para quem quisesse evitar suas profundezas.
                               Aquela garota sempre ia sentar-se em suas margens. Adorava a brisa brincando com algumas mechas de mel dos seus cabelos. Passaria horas contemplando aquele azul sereno se pudesse. Jamais vira algo tão belo, puro e delicado como aquele lago. E todos iam até ele desfrutar de sua superfície e prainhas azuis, mas ninguém se atrevia a nadar em suas profundezas, buscar o chão de onde brotava toda aquela beleza. Havia lendas sobre monstros terríveis e um fantástico mundo sombrio naquele abismo. O povo dali julgava o lago assim. A garota, que sabia o que era o estigma de olhos alheios sobre seus mistérios, se identificava com o pobre lago. Ninguem queria de fato mergulhar em seus abismos.



                              Em uma noite de lua, ela brincava com as pedrinhas da margem enquanto assistia a lagoa vestir aquela pérola branca. Ela começara sua caminhada no tapete estrelar refletindo a jóia sobre suas mechas de mel dançantes. E caminhando, foi iluminando uma rota. Da garota para o cerne do lago. A cada instante, um foco mais lindo e doce. A garota então se despiu dos sapatos vagarosamente como se fosse fazer aquilo pela última vez, observando pela primeira vez em consciência a textura, seus movimentos, as sensações. Depois se livrou dos imobilizantes jeans, da sensibilidade ao frio, e foi passo a passo seguindo a rota celestial.
                               Ia caminhando, o gelo adormecendo seu corpo. Adormecendo a ponta dos pés...mas quais pés? Nadando de mansinho, acariciando e sendo acariciada pelo lago. Se sentia já íntima dele. Ia conhecendo suas profundezas. Mergulhou fundo nelas, até onde o luar já não a podia guiar. Viu plantas dançando morosamente, um peixe voando por sobre suas copas. Ouviu até música, a música do lago, um som profundo e acolhedor. Estava ali com ele, se sentia uma com ele, se sentia segura num eterno abraço de águas gélidas, mas mais mornas que tudo que vivera. Quis ficar ali para sempre, já que conhecera seu segredo, o amara, e ao contrário de todos, fora amada.
                               Então a lua se vai, valsando sobre as ondinas. O crepúsculo veste o lago de cor-de-rosa e a garota...
                               A garota de cabelos de mel e tão doce, havia se tornado lago, assim como o lago se tornara a garota. Sua alma se dissolvera naquele silêncio que orquesstrava naquele segredo cor do céu. Dizem que ela virara sereia. Virara uma lenda como lenda era seu lago. Jamais encontraram-na.

(K)

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