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terça-feira, 26 de julho de 2011

Avô. Isquemia. Emergência. Primeira lição

Hoje meu avô materno teve uma isquemia. Assustou toda a família, que ficou com ele das 19h às 23h apenas para descobrir o que acontecera com ele.

Hoje observei duas coisas, e as dividirei em duas postagens.

Primeiro, senti queimar na pele o que é o plano de saúde por detrás de sua máscara.

Há muito ouço falar de sua decadência, mas "quem nunca viveu a verdade, não sabe o que ela é de fato". E o plano particular é mesmo muito falsamente eficiente e é preciso muito para que ofereça apoio ao paciente e seus acompanhantes. Talvez o que eu vá falar não seja nada de novo, infelizmente.

Foi decepcionante ficar plantada com meus familiares do lado de fora da emergência por quase 1h sem notícia alguma de meu avô. Não vimos um sinal de calor e acolhimento em um local onde só há pessoas aflitas e angustiadas, e isso é irônico. E foi duro ver, mais tarde, meu avô tentar se sentar na maca por algum incômodo que não conseguía nos dizer por não poder ainda falar direito (consequência temporária da isquemia), e ainda assim ver os médicos e enfermeiros passarem por ele e apenas observarem, sem nada checar ou perguntar, sem se importar com o bem estar de meu avô, como se apenas o médico que o acompanhou de início tivesse o poder sobre ele.

Senti mesmo uma hierarquia muito forte e uma posse irracional de pacientes: o médico de plantão não nos deixou chamar o cardiologista de meu avô, nem ao menos avisá-lo sobre meu avõ. E quanto aos enfermeiros, eles quase dizem 'sim senhor' ao médico e, não importa a circunstância ou o incômodo do paciente, fazem apenas o que o médico lhes mandou enquanto poderiam ao menos elevar um pouco a cabeceira da maca, umedecer os lábios que estavam secos, dizer alguma coisa (o silêncio nessas horas é doloroso), falar e rir mais baixo...se isto é ser enfermeiro, me desculpem, mas com que argumentos vocês pedem respeito?

Também ficamos num vaivém infernal. Ao menos meu avô matou todas as lombrigas de quando era criança e enfim passeou de ambulância, como depois me disse hahaha.O plantonista nos mandou para um outro hospital, pois onde estávamos não havia tomografia. Fomos, meu avô fez o exame e tivemos de retornar ao primeiro hospital. Foi pedido internação e tivemos de retornar para o hospital de onde tínhamos acabado de voltar (por que já não o deixaram ali antes eu não sei, fora o fato do plantonista DELE estar lá, no outro hospital). Ali ele esperou -e muito- por um médico até que, por algum feliz acaso, um neurologista conhecido da família apareceu ali e acabou observando os exames, diagnosticando a isquemia e medicando temporariamente meu avô. Tanto vaivém e espera para só depois de 4h sabermos, por um acaso, o que havia acontecido com meu avô. E graças a Deus não era nada tão grave. Era reversível.

E pensei na agonia de meu avô e no medo que estava sentindo pois durante todos os passeios de ambulância não sabíamos nada ainda sobre seu estado de saúde, o que havia acontecido e o que aconteceria. Não tínhamos nada para lhe dizer, apenas que tudo ficaria bem.

E para mim, o fato de ele querer se sentar sempre não era apenas por desconforto ( pois sempre movimentávamos seus membros, massageávamos e ele se virava para cuidarmos de suas costas). Acredito que o fato de estar deitado o deixava passivo e ele estava assustado demais para ficar naquela posição insegura. Segurávamos em suas mãos e ele as acariciava com os dedos. Jamais o vi fazer isso antes.

Mas o que mais marcou foi a falta de humanidade no local que mais humano deveria ser. Os médicos parecem se lembrar de notificar a família apenas quando há más notícias. E quando não há más notícias a serem dadas, os entes ficam se torturando à toa com a idéias de algo ruim estar acontecendo. Não há um olhar e um toque dizendo que qualquer coisa ele\a estará ali, que qualquer dúvida ou pergunta, ele\a estará ali e que ele\a fará de tudo para tudo ficar bem. Ao invés disso, recebemos desprezo e ira em troca de tantas perguntas. Mas felizmente há exceções, ainda que poucas.

Talvez haja algo por detrás disso que os faça ser assim. Não tenho como culpar algo ou alguém, apenas dizer quais são as falhas que presenciei. E depois de tudo por que passamos, penso nas unidades públicas de saúde...e nas pessoas que como nós ficam aflitas, mas que têm mesmo uma notícia ruim a receber no final...e penso com uma terrível angina no peito que o que passamos não foi nada demais, nada mesmo...

5 comentários:

  1. Ka, no meu ponto de vista, você deveria estar feliz por ter vivido esta experiência. Explico. Você sempre deixou claro que quer exercer medicina e se esforçou para tentar entrar em uma escola médica ocidental. O ponto é: o quanto você viveu da medicina para querer abraçá-la? Vendo algum parente sair todos os dias de branco e voltar para casa? Através do "glamour" que a sociedade e as histórias maquiaram a medicina? Em médicos particulares e planos de saúde (UNIMED, PAX..)? Eu lembro que, quando eu cursava o curso de música, os professores falavam que a vantagem do curso sobre os outros, é que você precisa ter vivido a música antes de entrar (por isso a prova específica). Quantas vezes você viu um vestibulando, candidato à medicina, utilizando o SUS para sentir na pele a realidade? Ou se oferecendo como voluntário para ajudar em algum hospital? Antes de escolher realmente fazer medicina? O Ocidente é uma grande indústria e os ocidentais são seus operários. Você já leu a emenda e os princípios do SUS? É algo extremamente belo e que, por mais que pareça utópico, é levada a sério em muitos lugares e por muitos profissionais. Você nunca ouviu falar? Talvez porque os grandes e verdadeiros heróis nunca cantam suas vitórias, pois estas são parte de seu dharma e não de seu ego.
    Não fique desesperada por seu avô e nem tente fazer o impossível para concluir o que sua mente manda. Esteja sim presente no Agora e à disposição dele ( o seu avô). Os seres humanos, ainda mais os que estudam e "vivem" o orientalismo, gostam de falar da impermanência de todas as coisas e de desapego, mas em sua imaturidade e falta de vivência real esquecem que eles também são finitos e as pessoas as quais são apegadas também são. É óbvio que não somos robôs e sentiremos o facão da tristeza arrancar um galho nosso, mas, assim como uma planta que tem seu galho arrancado (e a planta também sente dor), devemos nos manter firmes e não esquecer dos demais galhos, do caule e da raiz! Eu, desde pequenino, sempre tive a morte bem do meu lado levando avós, tios, um pai, amigos e pessoas especiais. No início eu a repudiei e tentei me isolar no seio de Maya, mas isso só me trouxe mais sofrimento e karma negativo. Até o dia em que eu resolvi me sentar e escutar os ensinamentos da maior de todas as mães alquímicas, a próprias Morte. E vi que ela foi uma das minhas grandes mestras! Os médicos, enfermeiros, motoristas de ambulância, secretárias, seu avô... Todos eles foram grandes e indispensáveis mestres para você! Você deveria agradecê-los e abrir seu coração e aquietar sua mente para, enfim, acolher o Grande Aprendizado!

    Namastê!

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  2. Leo, aprendi e muito com tudo isso, observando pude moldar ainda mais a mim mesma neste papel de médica. Pelo menos para mim, não há lógica em se reparar tudo isso e depois juntar tudo e jogar ao vento para ser esquecido. Sempre que vivo uma experiência na pele me sinto mais forte e estou sempre agradecendo por isso. Como eu disse, "quem não viveu a verdade, não sabe o que ela é de fato".
    Nesta postagem quis mais é evidenciar os buracos na área da saúde, contar a realidade q vivi, cimentar mais ainda alguns boatos.
    Vou publicar as outras postagens logo então xD. As outras duas lições falam sobre a fomentação da ânsia de me tornar médica e de como nunca estamos preparados para deixar a vida ou ver ela sendo deixada.
    Quanto a escolher medicina...desde pequena ia às vezes na Santa casa ou no hospital evangélico, ou até no consultório mesmo pegar meu pai no almoço (tínhamos apenas um carro na época) e eu via ambulâncias e macas ocupadas de vez em quando. Uma vez há muitos anos ajudei um senhor a ligar o inalador na tomada, se sentar e começar a inalação, um senhor que mal andava sozinho e se passava invisível por entre enfermeiros e pacientes na recepção e aquilo me deixou explodindo de alegria. Aquele ambiente e as situações me instigavam a querer fazer alguma coisa, além do fato de eu sempre ser meio que uma mãe de todos, querendo cuidar de todo mundo... E vendo coisas como as que vi ontem e que vi todas as vezes que acompanhei por dias parentes em hospitais, não me vem o desânimo, muito pelo contrário. A vontade é a de fazer diferente, e são pequenas coisas que podem fazer tal diferença. Na próxima postagem eu falo de um médico que sempre me anima por ser ele uma gota de chuva no meio do oceano! E conseguir, ainda que aos poucos, fazer toda a diferença! Com ele eu vejo que é possível!
    Não sei se isso que disse tem a ver com o que vc expôs ou respondeu ao q vc perguntou...
    Obrigada Leo, suas palavras e cutucadas são sempre instruidoras! xD
    Namastê!

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  3. è o que acontec quando 99% dos medicos fazem a faculdade visando lucro, sao pessoas sem o MINIMO de qualidades necessarias para a profissao de medico que atuam na profissao, é isso que dá!
    Vá numa faculdade de medicina e dá medo de pensar q esses sao os futuros medicos q vao nos tratar.. mas tem uma minoria que ira fazer a difença.. voce é uma delas :D

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  4. Sim, e isso de fazer pelo lucro é muito irracional pq hoje isso de ganhar bem é lenda ¬¬
    Sim, irei me juntar á minoria para que um dia ela se torne maioria!

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  5. Ahh e eu nunca gostei dessa de se vestir de branco pq eu tenho trauma de médico como toda criança xDD
    Pessoa vestida de branca=médico=injeção e dor! Inconscientemente é isso ¬¬ e vendo pelo meu pai, ele só tinha status dentro do hospital por causa da hierarquia, mas nós estávamos sempre endividados, ele trabalhava feito cão para sustentar a casa, dos familiares, meu pai era o homem que mais ralava dia e noite. Essa de ''doutor'', vida linda e maravilhosa, dindin, não cola p mim, não para aquele médico que trabalha em postos públicos e não investe só no particular ¬¬

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