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segunda-feira, 14 de março de 2011

O menino que carregava água na peneira


Tenho um livro sobre águas e meninos. 
Gostei mais de um menino que carregava água na peneira. 
A mãe disse que carregar água na peneira 
Era o mesmo que roubar um vento e sair correndo com ele para 
mostrar aos irmãos. 
A mãe disse que era o mesmo que catar espinhos na água 
O mesmo que criar peixes no bolso. 
O menino era ligado em despropósitos. 
Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos 
A mãe reparou que o menino gostava mais do vazio do que 
do cheio. 

Falava que os vazios são maiores e até infinitos. 
Com o tempo aquele menino que era cismado e esquisito 
Porque gostava de carregar água na peneira 
Com o tempo descobriu que escrever seria o mesmo que carregar 
água na peneira. 

No escrever o menino viu que era capaz de ser noviça, monge 
ou mendigo ao mesmo tempo. 
O menino aprendeu a usar as palavras. 
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras. 
E começou a fazer peraltagens. 

Foi capaz de interromper o vôo de um pássaro botando 
ponto final na frase. 
Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela. 
O menino fazia prodígios. 
Até fez uma pedra dar flor!

Manoel de Barros, Exercício de ser Criança

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